Por Maria do Rosário Sampaio (Zara)
O brado francês ”liberdade, igualdade e fraternidade!” ecoara pelo mundo já em meio aos primeiros experimentos do motor a vapor inglês: estava selada uma novíssima trilha da historia que arrastando os entulhos da antiguíssima ordem, transformara o que era bucólico em frenesi.
A nova ordem se gestara num passado remoto, num processo prolongado fundado no eixo questionador do poderoso binômio reinado-clero, daí emergindo os primeiros raios do que mais tarde chamar-se-ia modernidade. A razão é tudo. A Europa, sob a força de duas revoluções, logo iria sentir os custos do progresso quando as populações de suas cidades cresciam assustadoramente enquanto a rarefação se assenhoreava do campo. (Williams, Raymond, 2011)
À ocasião, conforme Caio Prado Jr (1997), o Brasil escravocrata seguia aparentemente imune a esta nova ordem: as atividades nas minas ou na agricultura primavam pelos meios de trabalho mais atrasados e castigos idem, enquanto que no Distrito Diamantino imperava a excepcionalidade da administração direta do reino lusitano. O Brasil assim ficara até os anos 30 do século XX, década do raiar do seu processo de industrialização tardio e aceleradíssimo, que de tão jovem, ainda há testemunhas vivas.
Tudo se transformava ao som de motores muito mais potentes que os ingleses dos três séculos anteriores e o governo da época exibia, orgulhoso, a pujança de São Paulo e Rio de Janeiro em seu devir metropolitano. Tudo tão rápido quanto penoso: um desenvolvimento econômico sem liame social: a inexistência do planejamento urbano gerando o caos urbano-industrial, a concentração de renda e com ele, o trança-trança nordestino. A fatura socialmente diferenciada do progresso alcançava os brasileiros.
Em Minas Gerais, o Jequitinhonha[i] seria o último reduto a ceder a esta nova ordem econômica que tardiamente aportava ao Brasil, mas, parece ter sido Capelinha uma das primeiras cidades do Vale a não temê-la: de braços abertos recebeu o Banco do Brasil , as empresas reflorestadoras , a agroindústria cafeeira. E fechando os olhos para seus povos tradicionais não viu o rumo que estes tomaram, nem aos seus valores e tradições. Assim, também tardiamente, Capelinha paga seu debito ao progresso. E aqui, indaga-se: qual progresso? Qual o custo de perder a sua singularidade e tornar-se apenas mais uma cidade, entre tantas, arrastada pelo fluxo continuo do acumular, acumular? Qual o custo de perder-se a si mesma?
Parece que dos custos sobressaem o estranhamento, a superficialidade, o indivíduo sobre todas as coisas, aliás, como ocorre em todas as cidades com 10 milhões ou 20 mil habitantes. O progresso massificou e nivelou quase todos e a quase tudo. Fomos um dia singulares em meio a uma cultura genuína. Hoje, pensamos ser ainda inigualáveis, mas, ao olhar de lado, vejo o outro como se eu o fosse. Ficamos iguais no BBB da Globo, no Mcdonald's, nas etiquetas de ultima hora .
Assim, no aniversário de Capelinha este texto vem prestar homenagem aos seus povos tradicionais que continuam a nutrir o mesmo respeito pelo comunitário, pela solidariedade, pelo compartilhamento e em sua simplicidade dadivosa, seguem avessos a certas modas passageiras e conseguem ser singulares em seu modo de andar a vida.
Entretanto, tenho a sensação experimentada que, em Capelinha, tudo é tão diferente e tudo é ainda tão igual! Daí, pergunta continua persistindo: apesar de tantas mudanças nos últimos 30 anos, o que há mesmo de novo sob o céu de Capelinha?
Zara Sampaio é Jornalista, Pedagoga e
Doutoranda PPGS pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro
[i] Conforme Ribeiro,Galizoni,Machado et alli
Manter a cultura de um local implica a preservação das referências materiais. É preciso ter sempre por perto algo que nos faça lembrar do que somos, algo que personifica a identidade cultural.
ResponderExcluirCapelinha não sabe dosar o novo com o antigo. E na gana pelo progresso vão destruindo os patrimônios que nos faziam lembrar dos antepassados. Preservar é memória, é respeito pelos que construíram o que somos hoje.
O que resta das edificações da primeira metade do século XX pra baixo, nessa cidade? Nada.
Uma igrejinha aqui, uma casa em decrépito estado acolá.
Só o chalé do Maninho, que está em bom estado e não é só decorativo, é amplamente utilizado. Concordo mesmo, não é fácil manter uma estrutura que não tem função nenhuma. É só oferecer uma função a ela! Patrimônio histórico pode sim ser usado, não é só enfeite pra ser lembrado só no Capelinhense ou no aniversário da cidade!
Já viram fotos do antigo salão paroquial? Vejam e comparem com aquela coisa horrorosa que lá tem hoje, construído sob as auspicosas "bençãos" do Pe. J. Gabriel.
O solar dos Pimenta então! Uma perda irreparável, consumido por um incêndio "acidental". (acidental o caramba! a rede elétrica poderia estar em melhores condições se por lá tivesse mais assistência. Más línguas dizem que o terreno está sendo negociado por um preço elevadíssimo).
Derrubam tudo, pq é velharia e desperdício, até parece que não possível reaproveitar, é preciso colocar logo um prédio, uma loja de fachada de vidro, um estacionamento.
É uma cidade desmemoriada, só mais uma entre tantas outras, que corre o sério risco de perder as características que tanto a destacam.
Então,nem mesmo carnaval ,a maior festa popular brasieira esta capilinha consegue ter.Bem,os mais ou menos ricos vão para as praias .E os populares ,ficam a ver navios.Será que nao dava para fazer nem uma comemoraçaozinha so para lembrar que estamos no Brasil
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