por Silvio
Caccia Bava
O resultado
das eleições abre um novo período de gestão municipal que começa em janeiro. A
sensação que dá, tendo acompanhado as campanhas eleitorais, é de que a questão
da democracia foi deixada de lado; ninguém colocou o tema da democratização da
gestão, da descentralização da gestão, da participação cidadã, como eixo
fundamental de sua campanha. É como se as soluções tecnocráticas prevalecessem
e os “bons” governantes fossem a solução. Chegamos mesmo a assistir nesta
gestão que termina nas principais cidades do país – São Paulo e Rio de Janeiro
– a iniciativas que apontam para a militarização da gestão pública. No Rio de
Janeiro, a “pacificação” dos morros pela ocupação militar, o modelo UPPs. Em
São Paulo, a escolha de coronéis aposentados da PM para atuarem como
subprefeitos. É impressionante como os temas da democracia e da participação
cidadã sumiram da agenda pública.
Está
colocado um desafio para a sociedade e para os próximos governantes. Democracia
e participação cidadã são a única via para lutar por cidades justas,
democráticas e sustentáveis, para enfrentar as desigualdades sociais gritantes,
reorientar as políticas públicas e melhorar a vida de todos, garantindo o
direito à cidade. Ou a gestão se democratiza, ou é capturada pelos interesses
corporativos.
E há toda
uma história de lutas sociais, de mobilizações, que trouxeram grandes ganhos
para a administração pública e para a população. Basta dizer que o SUS, nosso
Sistema Único de Saúde, considerado referência mundial por seu trabalho, é
fruto do movimento de saúde nascido na zona leste de São Paulo. Sua qualidade e
sua eficiência são fiscalizadas pelos Conselhos de Saúde, e a política é
avaliada por conferências municipais, estaduais e nacional a cada dois anos.
Dezenas de milhares de pessoas participam desses processos.
Mas há toda
uma política tradicional a enfrentar. Como promover um projeto de
democratização e participação se a lógica da política é lotear entre os aliados
as subprefeituras e secretarias para que eles, em cada uma dessas instâncias,
possam tirar proveito político do cargo que ocupam? A agenda da reforma
política não pode se limitar à luta pelo financiamento público das campanhas
eleitorais, ainda que isso seja essencial.
Descentralizar
o governo das cidades e criar mecanismos inovadores de gestão e participação
cidadã é um projeto político de socialização do poder, de inclusão social e de
aumento da eficiência na prestação dos serviços públicos. Significa romper com
o controle político das elites locais e com as formas burocráticas, corruptas e
clientelistas de governar; significa mudar o desenho das instituições e seu
funcionamento, para impulsionar um processo de mudanças sociais e atender às
múltiplas dinâmicas da sociedade.
A
descentralização e a democratização da gestão municipal inauguram uma aproximação
do governo com a sociedade, um novo olhar dos gestores para reconhecer as
particularidades das relações da cidadania com seus territórios, a configuração
dos espaços urbanos, suas tendências econômicas, suas novas centralidades
regionais, suas dinâmicas sociais e culturais. Mais do que tudo, permitem
recuperar a capacidade de intervenção dos cidadãos enquanto atores coletivos e
do poder público como regulador da vida social, capaz de impulsionar processos
de negociação entre os distintos atores e forças sociais presentes nas cidades.
O
significado do projeto de descentralização e participação é garantir a
reapropriação da cidade por seus cidadãos; criar novos territórios públicos de
construção da cidadania; impulsionar novas formas de sociabilidade e uma nova
cultura política assentada em solidariedade, justiça social, equidade,
fortalecimento da sociedade civil, participação, autonomia, respeito e garantia
dos direitos pessoais.
Em São
Paulo, depois de longos anos de lutas e de pressão social, foi incluída, em
2004, na Lei Orgânica do Município, a criação de Conselhos de Representantes
junto a cada uma das subprefeituras, nos quais representantes dos moradores,
eleitos pela população local, exerceriam o papel de fiscalização e propositivo
na relação com a subprefeitura. Em 2005, quando se organizavam as primeiras
eleições para os Conselhos, e o prefeito era José Serra, o Ministério Público
Estadual ajuizou uma ação de inconstitucionalidade (Adin) contra a criação dos
Conselhos. Uma liminar suspensiva até o julgamento da matéria, que perdura até
hoje, abortou a criação dos Conselhos. O julgamento é político, é contra a
participação, e o argumento é que os representantes não poderiam receber como
funcionários públicos, uma total inverdade ou desconhecimento de causa.
Todos os
novos prefeitos têm o desafio de garantir o apoio da sociedade à sua gestão.
Descentralizar e abrir o governo à participação cidadã é um meio de garantir
mais acertos e dividir os erros. O povo quer mudanças, quer sentir que este
novo governo é seu.
Silvio
Caccia Bava
Diretor e
editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
Fonte: Le Diplomatique
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